Conversas com os Putos e com os Professores Deles
por Ricardo António Alves, no Jornal i
Um cínico diria que o magistério seria uma profissão
extraordinária, não fora a existência dos alunos. Discorda-se do cínico:
o problema não está nos discentes, mas na circunstância de alguns
trazerem como bónus alguns pais muito pouco recomendáveis à saúde.
Também há os simulacros de professores, cuja verdadeira missão é a de
ganhar o ordenado enquanto sonham com uma reforma por invalidez. No
princípio de tudo, porém, estão burocratas do ministério, entretidos com
as suas carreiras e progressões nas ditas, trabalhando para as
estatísticas que lhes são impostas pelos políticos de turno. Destes, uns
são comissários do partido e, outros, tipos bem-intencionados, com
ideias completamente diferentes dos antecessores no cargo, que as porão
em prática até chegar quem lhes suceda. Por isso, os estudantes costumam
ser as primeiras vítimas deste carnaval, seguindo-se os bons
professores e os pais conscientes, espécie ameaçada.
Feito o exórdio, comece-se por dizer que o professor Álvaro é um
baril e, houvesse necessidade de filho nosso precisar de explicações de
geometria descritiva, já saberíamos a que porta bater. Mas o professor
Álvaro é também autor de BD e cartunista (além de arquiteto de formação)
e teve a boa ideia de se inspirar no seu ganha-pão para aplicar o
talento que lhe assiste na recriação da sua circunstância profissional –
embora tal esteja longe de ser o exclusivo da matéria-prima a que
recorre para o trabalho bedéfilo.
Conversas com Putos e com os Professores Deles é o terceiro livro
desta série. Deixamos os docentes em paz – os muito bons dificilmente
são parodiáveis, os maus são paródia triste – e vamos à maralha de 15,
16, 17 anos e às suas lindezas: do acne, terror das miúdas, à
javardolice flatulenta dos rapazes; dos futebóis aos jogos e consolas
(ou as gajas); da seca da matéria e da cabulice – as cenas com os alunos
passam-se normalmente em contexto de explicação – a temas mais sérios
de política e sociedade, sempre com o enviesamento da autossuficiência
das opiniões fortes e supostamente definitivas, pois os putos é que
sabem...
Álvaro (Parede, 1970) é particularmente feliz na captação das
expressões que resultam de diálogos que atingem o mirabolante (por vezes
nem se trata de diálogo mas de resmungos, quando não grunhidos): do
surpreendido ao irritado, do facecioso ao conformado, do enfadado ao
malicioso. Não se pense, porém, que o autor comete a feia ação de fazer
nome e fortuna (pelo menos crítica) à custa daqueles infelizes. Não, ali
há empatia e pundonor profissional, ambos especialmente necessários
quando aos professores de hoje (aos bons e até aos maus) é cometida pela
sociedade não apenas a importante função de ensinar, mas também,
quantas vezes, a ingrata tarefa de educar, competência que mingua a
muitos paizinhos, sempre prontos a exigir dos docentes o suprimento do
que a eles lhes falha.
Ricardo António Alves 18/11/2019
Sem comentários:
Enviar um comentário